O cristão, a educação e a profissão

Todo o que for perfeito será como o seu mestre (Lucas 6:40).

Introdução

Todo o que for perfeito será como o seu mestre (Lucas 6:40).

A maior parte das horas em que não estamos dormindo nós as passamos ou na escola ou no trabalho.[i] A grande quantidade de horas gastas nessas tarefas certamente terá impacto em nossa vida espiritual. O discipulado está intimamente relacionado com as pessoas em cuja companhia vivemos. Tendo em vista que grande parte de nossa socialização e dos grupos de convívio vem dos ambientes educacional e ocupacional, eles têm um papel importante no discipulado. Sem um discipulado apropriado, o crescimento da igreja sofrerá atrofia. A despeito do poder dessas conexões, a igreja tem feito um trabalho pífio em desenvolver uma teologia prática quanto a educação e trabalho.

Jesus deu uma lei espiritual fundamental: “Todo o que for perfeito será como o seu mestre” (Lucas 6:40). Professores produzem alunos como eles mesmos. Estudantes e aprendizes se tornam como seus professores. Esse princípio é a grande lei natural de treinamento por meio da educação e do trabalho. Tornamo-nos como aqueles que nos treinam; esse princípio pode ser uma grande bênção ou um grande prejuízo.

Educação

O Inimigo quer as crianças. Ele quer as crianças que não são suas. Sua habilidade em sequestrar é incomparável. Como o mais especializado sequestrador da história, Satanás conquistou o que um criminoso invejaria: ele persuade pais a darem, voluntariamente, os filhos a ele. Muitos pais, sem saber, estão enviando os filhos para a destruição.

Em pontos baixos da sua história, alguns israelitas sacrificaram os filhos a um deus cananeu chamado Moloque (2 Crônicas 28:3; 33:6; Jeremias 7:31). É muito difícil alguém acreditar que um pai pudesse fazer uma coisa dessas. Mentes modernas desprezam tal comportamento primitivo com repugnância. A maioria dos pais, no entanto, não está consciente do “sacrifício infantil” atual do qual pode estar participando. Embora algumas crianças sobrevivam às chamas, muitas não.

Enviar um filho ao sistema de ensino regulado pelo governo é enviá-lo para um poder rival com sua própria pauta de interesses. Pais confiam a mente, as emoções e as sensibilidades dos filhos às influências ímpias exatamente quando eles estão mais vulneráveis. Essas crianças serão efetivamente criadas pelos professores e colegas durante a maior parte das horas em que estarão acordadas. Quando um pai pergunta como o dia do filho foi, recebe a resposta vazia: “Foi bom”. A criança em breve buscará a aprovação dos colegas em lugar de procurar a dos pais.

Nos tempos bíblicos, os pais educavam os filhos (Deuteronômio 6:7; Efésios 6:4). Os filhos aprendiam com os pais, e as filhas, com as mães. O modelo grego tirava os filhos do lar para serem educados pelo Estado (nos assim chamados ginásios), mas isso era identificado como pecado pelos judeus. No período intertestamentário, o autor de 2 Macabeus condena Jasão, o sumo sacerdote, por trazer a educação grega para o judaísmo (2 Macabeus 4:7-22).

Uma das formas em que a educação grega corrompeu a juventude judaica foi a ênfase nos esportes atléticos. O ginásio grego era um lugar de eventos esportivos — muito similar aos colégios e às universidades de hoje. Mesmo os sacerdotes judeus foram seduzidos por esses jogos:

Imediatamente [Jasão] construiu a praça de esportes, logo abaixo da cidadela e, constrangendo os melhores dos jovens, conduziu-os ao uso do chapéu chamado pétaso. (…) Os próprios sacerdotes já não se mostravam dedicados às funções do altar. Antes, desprezando o templo e descuidando-se dos sacrifícios, corriam a tomar parte na iníqua distribuição de óleo no estádio, após o sinal do gongo. Assim, não davam mais valor às tradições nacionais, achando muito mais importantes as glórias gregas. Por esse motivo, uma perigosa emulação os dominava: aqueles cujos costumes eles promoviam e a quem queriam ser semelhantes em tudo, acabaram por se tornar seus inimigos e carrascos (2 Macabeus 4:12, 14–16, CNBB).

Muitas pessoas reclamam da espiritualidade dos jovens hoje. Gemidos de cansaço se levantam porque, em lugar de estarem em casa com a família, os jovens preferem jogar videogames, ir ao shopping ou passar tempo com os amigos. Nada disso deveria ser uma surpresa, pois é a lei natural sobre treinamento, apresentada por Jesus, exercendo sua força. As crianças estão se tornando como seus professores e colegas mundanos. Aqueles poucos jovens espiritualmente fortes que emergem manifestando piedade vibrante o fazem apesar da formação escolar, e não por causa dela.

Quando estiverem diante do Senhor no último dia, os pais terão de responder pelas influências que os filhos receberam na escola. Delegar responsabilidade ao Estado não implica absolvição de responsabilidade. Os pais são responsáveis por quaisquer instruções, imagens e exemplos que os filhos recebem na escola. Muitos pais, de modo tolo, imaginam que sabem ao que os filhos estão sendo expostos. A realidade costuma ser bem o contrário. Infelizmente, mesmo muitas das escolas “cristãs” têm vários dos mesmos problemas que as escolas públicas – algumas vezes piores, porque as mesmas coisas más são feitas sob o nome de “cristão”. Ao dar-nos conta de tentações, ardis e falsos ensinos a que as crianças estão sujeitas fora do lar, as palavras de Jesus deveriam nos alertar:

Mas, qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar. Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem! (Mateus 18:6–7).

Uma educação bíblica é fundamentada no temor do Senhor (Proverbios 9:10). O pai e a mãe, especialmente o pai, são encarregados do dever de educar os filhos (Efesios 6:4). Os irmãos de algumas igrejas colaboram para manter uma escola particular; outros pais preferem educar os filhos em casa mesmo. Seja qual for o padrão usado, a responsabilidade dos pais implica que ambos os cônjuges não podem trabalhar fora de casa, e que devem passar o máximo tempo possível com os filhos. Embora alguns digam que precisam da renda adicional vinda do trabalho dos dois genitores, o Senhor se mostrará fiel àqueles que confiam nele. Muitos pais que praticam a educação em casa têm testificado que, embora algum sacrifício seja requerido, o Senhor sempre supriu suas necessidades. As famílias provavelmente terão de fazer sacrifícios materiais, mas o que se ganha excede em muito as riquezas e os confortos terrenos.

O primeiro propósito da educação é o discipulado. Por conta do companheirismo intensivo envolvido na formação domiciliar, os pais naturalmente se tornam discipuladores e amigos dos filhos. Com o temor e o conhecimento do Senhor como fundamentos da educação cristã, a mente da criança permanece limpa, diferentemente de seus colegas cuja mente é progressivamente distorcida com a exposição repetitiva ao pecado. Especialmente no ensino médio, crianças que recebem formação escolar em casa e são protegidas das influências mundanas retêm mais a inocência e as qualidades juvenis naturais. Menos cansadas e cínicas que os colegas, elas têm a habilidade de aprender com a acuidade de uma mente jovem e maleável. Isso serviu bem a Daniel e a seus três companheiros, pois foram descritos como sendo “instruídos em toda sabedoria, e doutos em ciência, e entendidos no conhecimento” (Daniel 1:4).

A universidade é amplamente reconhecida como o lugar onde os filhos abandonam a fé. Embora as sementes da rebelião tenham sido plantadas muito antes, as influências espirituais do ambiente universitário são profundas. O período entre o final da adolescência e o início da segunda década de vida é crucial para a formação da identidade. Que mensagem é transmitida quando colocamos nossos jovens aos pés de professores brilhantes, porém mundanos? Encorajamos nossos jovens a agradar os professores conseguindo boas notas e recomendações deles. Imagine receber essa mensagem e ouvir professores eloquentes exporem seus pontos de vista sobre arte, sexualidade, agnosticismo, evolução e o significado da vida. Mesmo que o estudante tenha um senso intuitivo que o entendimento desses professores está errado, pode um jovem de 18 anos se levantar diante de acadêmicos bem-sucedidos com doutorado e debater habilidosamente com eles na sala de aula? Em lugar disso, os jovens efetivamente se tornam discípulos desses professores, tendo sido encorajados a isso pelos pais. Sendo assim, a lei de treinamento de Jesus funciona plenamente em todas as áreas, incluindo a espiritual. Aprendizado acadêmico tem servido como um cavalo de Troia para a destruição espiritual.

Enquanto estava na igreja protestante, passei dois anos ensinando química orgânica para os alunos da Universidade de Harvard. Por sete anos, morei num dormitório em Harvard como mentor. Assisti pessoalmente a trajetória da fé dos alunos enviados por pais bem-intencionados. Foi trágico constatar que a maior parte deles perdeu a fé. Embora tenha havido uns poucos que deram um jeito de escapar com alguma medida de fé, esses também sofreram danos. Apesar de seus pais falarem com orgulho na formatura a respeito das conquistas dos filhos, imagino que discurso o Senhor faria nesse evento.

Não somente os frutos espirituais eram desastrosos, como a qualidade da educação era fraca. Essa afirmação pode surpreender a muitos que esperariam que Harvard tivesse um dos melhores sistemas educacionais do mundo. Já que a maioria dos alunos estava interessada em ter as notas mais altas possíveis, eles buscavam por classes e professores mais fáceis. Era comum que o histórico final deles fosse uma mistura confusa de cursos que não tinham relação entre si (um curso de culinária japonesa era especialmente popular durante os anos que passei em Harvard). Mais importante que isso era que poucos alunos apropriadamente aprendiam uma disciplina. Sim, eles se esforçavam, mas era quase sempre devido a prazos apertados em torno dos quais eles entravam em crise frenética. Muito poucos estudantes aprenderam a se disciplinar e a se motivar para aprender uma área de estudo de modo completo e sistemático. Uma mistura agitada de trabalho árduo, preguiça, procrastinação e festas marcava a vida deles. A vida universitária é uma vida de extremos emocionais, e não de disciplina firme e paciente. A educação tem falhado em transmitir a nossos filhos até mesmo os elementos básicos para que sejam bem-sucedidos aprendizes vitalícios.

Jesus nos chama a amar Deus com toda a mente, um mandamento que deveria fazer seus seguidores as pessoas mais comprometidas no mundo em estudar e aprender. E os cristãos podem educar os filhos de forma mais eficaz que o mundo. Depois de ter frequentado algumas das melhores escolas dos EUA, estou convencido de que pais motivados podem suprir aos filhos uma educação melhor que aquela recebida por graduados nas universidades mais prestigiadas. Além de ter o discipulado como o objetivo primário, os pais podem fazer um trabalho melhor que o mundo em produzir jovens disciplinados e informados que venham a ganhar a vida honestamente. Uma educação cristã deveria superar a educação do mundo em termos de qualidade e profundidade. Pais comprometidos podem ensinar aos filhos a autodisciplina necessária para aprenderem de modo eficaz. Pais cristãos podem alicerçar a educação em uma cosmovisão bíblica. Isso está mais fácil do que nunca por conta do incomparável acesso a livros de alta qualidade (por exemplo, gramática, escrita, história, matemática, ciências). Para a educação superior, tendências emergentes em nível avançado (tais como cursos à distância e programas de certificação) têm prometido prover uma educação superior à do sistema universitário típico de nossos dias. Eu tenho visto pessoalmente exemplos de crianças que receberam no lar uma formação acadêmica melhor que a de estudantes nas universidades de elite.

Como discipular e ensinar melhor nossos jovens é um desafio que nos foi lançado. Precisamos de muito mais oração, discussão e estudo sobre esse importante assunto. Precisamos de escritores e oradores espirituais para articular uma visão para a educação cristã. Armados com entendimento bíblico, as famílias desta geração têm a oportunidade de transmitir excelentes discipulado e ensino. Nossa oração deve ser para que os cristãos do reino aceitem o desafio.

As pressões sociais para nos conformarmos no que diz respeito à educação são grandes. Em muitas culturas a educação é um deus. Diferente das armadilhas vergonhosas como pornografia, o ídolo da educação tem corrompido essas culturas de uma forma perniciosa: buscas vãs podem se tornar aclamadas. Grande parte da identidade das famílias virá das notas, das conquistas acadêmicas, do prestígio escolar e, finalmente, da ocupação dos filhos. Essa empolgação com respeito à educação mundana rouba das famílias o zelo e a identidade que deveriam ter por estarem na família de Deus. Paulo considerava suas conquistas passadas como refugo [lixo, inútil] (Filipenses 3:8) comparado a conhecer Jesus. As famílias que valorizam a justiça, o discipulado e o sacrifício pelo Senhor tendem a produzir filhos que buscam primeiro o reino. Em contraste, famílias que derivam sua identidade da educação são mais propensas a enviar os filhos a um caminho de buscas mundanas que lhes roubarão o tempo, o interesse e a energia para buscar o Senhor de todo o coração.

Para o mundo, a formação escolar é o primeiro passo em uma jornada. O mundo procura colocar as crianças nesse caminho e procura fazê-las ansiar pelas recompensas e pelos prazeres que ele oferece. Se o fizerem, as crianças gastarão a vida perseguindo vaidades: o engano da riqueza, as diversões vazias e a vida de conforto. Muitas famílias de cristãos professos costumam observar os seguintes passos:

  1. Os pais expõem os filhos a televisão, filmes, internet, videogames e revistas mundanas desde pequenos. As percepções iniciais da criança a respeito de beleza, humor e valores vêm do mundo.
  2. As crianças são, então, colocadas na escola pública, onde praticamente todos os colegas têm essas mesmas sensibilidades mundanas e começam a se avaliar de acordo com esses valores.
  3. Muito rapidamente as crianças passam a ansiar pela aprovação dos colegas mais do que pela dos pais, e, assim, afundam-se mais em tolices.
  4. Durante os anos da adolescência, o sistema educacional do mundo introduzirá outro conjunto de valores envolvendo segurança, prestígio e realizações. Isso pode envolver expectativas de frequentar certa universidade, ter um lar invejável e conquistar honras em seu campo de atuação.
  5. Muitos irão para a faculdade, vivendo longe do lar pela primeira vez, experimentando tanto o trabalho árduo quanto a imprudência. A pressão para conseguir um trabalho respeitável aumentará. Jantares pródigos e cerimônias de premiação aguardam aqueles que têm sucesso. Enquanto isso, o mundo continua a moldar as sensibilidades dos jovens em relação a música, beleza, recreação, humor, amizade, modo de viver e segurança. Muitos homens se tornarão escravos da pornografia no final da adolescência e afundarão em frouxidão espiritual.
  6. Depois da universidade (ou talvez durante um curso técnico ou profissionalizante), tendo acumulado dívidas, graduados conseguirão um trabalho que lhes permita aliviar as dívidas e também prover fundos para o tipo de vida que desejam. Por essa época, estão se acostumando a comer em restaurantes, a esbanjar nas férias e a ter um estilo de vida confortável. Desejando manter isso, trabalham duro no emprego ao mesmo tempo em que, em alguns momentos, o desprezam.
  7. Uma pessoa assim se casa com alguém que procede do mesmo modo, talvez em um ambiente “cristão”. Na realidade, ambos estão se afastando do Rei.
  8. Tendo progredido no emprego, estão subindo na escada profissional. Eles simplesmente não podem deixar tudo já que “investiram” tanto na carreira. E, por isso, continuam, cavando mais fundo um buraco espiritual.
  9. Agora, por causa dos filhos, eles têm mais justificativas para continuar naquela direção espiritual por medo de desintegrar a família. A busca por segurança, economias e confortos é silenciosamente intensificada.
  10. O significado de separar-se do mundo é perdido, e, embora estejam confortáveis economicamente, estão espiritualmente mortos. Os filhos são mimados. Eles podem encontrar uma igreja cheia de pessoas que vivem de modo similar e que exortam uns aos outros a serem “luzes” no ambiente de trabalho; uma tarefa impossível, já que vivem de uma maneira que contraria os mandamentos de Jesus.
  11. Presos nessa teia, eles são entregues a uma forte desilusão e justificam em bases religiosas o que fazem, ou de modo silencioso abandonam o Rei Jesus totalmente, deixando a próxima geração com pouca esperança de algum dia saber o que a vida do reino seria.

Ocupações

Um dos propósitos da educação é a preparação para um trabalho, para ser um membro produtivo da sociedade. A escolha profissional tem um papel imenso no desenvolvimento espiritual de uma pessoa. Quatro princípios básicos serão esboçados em busca de uma teologia prática do trabalho.

Princípio 1: O trabalho deve prover para as necessidades de uma pessoa sem tornar-se busca por riquezas.

Um objetivo óbvio de uma ocupação é prover ganhos que supram as necessidades da pessoa. Se alguém escolhe não trabalhar, também não deve comer (2 Tessalonicenses 3:10). Mas, por outro lado, existe uma armadilha associada com o poder de ganhar dinheiro:

Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína (1 Timóteo 6:8–9).

Muitas, muitas pessoas escolhem a busca de riquezas. Elas não estão contentes com a comida e as vestes, mas procuram armazenar tesouros na terra. Com o dinheiro extra vêm os laços. O tempo com a família diminui. Com a grande prosperidade vêm grandes casas, carros caros, jantares luxuosos e férias extravagantes — coisas que mantêm o coração preso a este mundo. Filhos se tornam mimados e a vitalidade espiritual se esvai.

Princípio 2: Devemos combinar os dons e os pontos fortes de uma pessoa a um trabalho apropriado, sem que ela derive sua identidade da ocupação escolhida.

Por um lado, Deus preparou indivíduos com diversos pontos fortes que são adequados para diferentes ocupações. Alguns são hábeis com números e atentos a detalhes que os fazem bons contadores. Outros são hábeis artesãos que gostam de trabalhar com as mãos. Personalidades diferentes ficarão, naturalmente, mais satisfeitas em papéis diferentes. Mas, muitas vezes, a satisfação profissional é romantizada e adquire um papel nocivo. Especialmente ao longo do processo educacional, a escolha de uma carreira se torna uma questão de grande angústia. A pessoa começa a derivar sua identidade a partir da profissão escolhida. Essa se torna a primeira prioridade e recebe o melhor tempo daquela pessoa. Homens medem-se mutuamente perguntando-se em que área atuam. Educação e cultura com frequência induzem mulheres a buscar uma carreira e a abandonar seu chamado bíblico para serem mãe. A carreira leva ao adiamento do casamento e da geração de filhos. Essas atitudes nunca são encontradas nas Escrituras. Crentes são chamados a buscar em primeiro lugar o reino, e não a própria satisfação mediante uma carreira. “Cristianismo deveria ser nossa carreira.”[ii]

Princípio 3: Devemos procurar um trabalho honesto que beneficie a sociedade sem nos enganar sobre o impacto dele.

O trabalho é uma atividade nobre. O próprio Deus é um trabalhador que ama criar e prover. Sendo feitos à imagem de Deus, nós trabalhamos e deveríamos ter satisfação no trabalho. Trabalho e negócios deveriam exibir os atributos de Deus da provisão e da retidão. Assim, o trabalho honesto é parte da santidade. Os cristãos não têm parte em negócios mundanos com práticas e objetivos pecaminosos. Mudar de ocupação frequentemente será parte do arrepender-se e seguir a Cristo. (Note os exemplos bíblicos de videntes, coletores de impostos, fabricantes de ídolos e prostitutas.) Além de indústrias obviamente más, como do tabaco e de apostas, a maioria das ocupações modernas relativas a moda, venda de livros ou altas finanças requereriam o arrependimento de mudar de profissão. O trabalho tem de ser infundido com honestidade, integridade e os atributos de Deus. Os cristãos devem ter uma profissão que renda satisfação espiritual no final do dia.

Ao mesmo tempo, não devemos nos enganar sobre o impacto de nossa ocupação. Algumas ocupações, como ser mãe e cuidar do lar, têm um significado espiritual muito profundo. Mas, normalmente, as profissões mais admiradas são as que têm pouco impacto espiritual. Lembro-me bem de minha “ficha caindo” sobre o que pode ser alcançado de modo significativo com a medicina. Embora haja, sem dúvidas, recompensas ao curar o corpo, muito rápido se tornou evidente que as questões espirituais são com frequência a raiz do problema (glutonaria, vício, violência, etc.). Por conta de severas restrições de tempo, era-me quase impossível lidar com os problemas reais. Muitas vezes senti que a medicina era um curativo glorificado cobrindo problemas espirituais mais profundos. Muitas vezes meditei sobre o provérbio de Thoreau: “Para cada mil pessoas rastelando as folhas do mal, há uma cortando a raiz.” Medicina era só rastelar as folhas — e eu sabia disso. Outro médico, o dr. Martyn Lloyd-Jones, colocou da seguinte forma quando questionado sobre a razão pela qual deixou a medicina:

“Ah bem!”, senti vontade de dizer-lhes. “Se soubessem mais sobre o trabalho do médico, vocês entenderiam. Nós gastamos a maior parte do tempo preparando as pessoas a fim de voltarem para seus pecados!” Vi homens doentes no leito, falei com eles sobre sua alma imortal, eles me prometeram grandes coisas. Então, melhoraram e voltaram para seu velho pecado! Vi que estava ajudando esses homens a pecar e decidi que não faria mais isso. Queria curar almas. Se um homem tem um corpo doente e sua alma está sã, tudo ficará bem no final; mas um homem com um corpo saudável e uma alma doente está bem por 60 anos ou mais, e depois terá de encarar uma eternidade no inferno. Ah, sim! Algumas vezes temos de desistir daquelas coisas que são boas por aquelas que são as melhores: a alegria da salvação e da novidade de vida.[iii]

Pouquíssimas pessoas têm esse nível de honestidade. É muito comum pessoas jovens sonharem em melhorar o acesso dos pobres à saúde, à água potável ou à educação — e isso é uma coisa boa. Mas se enganam quanto à importância relativa dessas questões em si mesmas e para si mesmas. Ocorre com certa frequência que jovens formadas viajem o globo buscando essas coisas, tendo sido seduzidas para se afastar do chamado maior de ser mãe. Uma regra de ouro útil é esta: se outros estão impressionados com o título de seu trabalho ou de sua carreira, há uma grande probabilidade de o impacto para o reino de sua ocupação ser baixo. Há uma relação inversamente proporcional entre o impacto positivo para o reino e o salário (ou o prestígio). Atletas profissionais, estrelas da música e pessoas que viajam pelo mundo todo são tremendamente aclamados, mas têm pequeno impacto positivo. Mães, professores ou pais que trabalham com os filhos em um negócio doméstico têm o potencial de produzir um grande impacto de acordo com a perspectiva de Deus. Paradoxalmente, avanços significativos para o reino ocorrem de formas silenciosas, obscuras e sem glamour.

Princípio 4: Devemos buscar trabalhar com colegas crentes, embora aproveitemos as oportunidades de pregar o evangelho.

Trabalhar com cristãos, se for possível, é desejável com vistas à prestação de contas e ao discipulado. Por sermos todos discipulados de modo espontâneo por aqueles com quem passamos o tempo, o ambiente de trabalho secular pode levar a um afastamento da mentalidade espiritual. A maioria das pessoas não suporta essa atração constante e sucumbe às armadilhas do mundo. Mas, por outro lado, fomos designados a ser soldados, e a oportunidade de interagir com os que não são da família da fé afia nossas habilidades e nos faz conscientes de que somos forasteiros vivendo em uma terra estranha. O ambiente profissional também proporciona oportunidades excelentes de sermos uma “cidade sobre um monte”. Por isso, um ambiente ideal seria trabalhar com colegas crentes em um negócio em que eles podem ser desafiados por incrédulos e testemunhar a eles. Em ambientes onde os crentes estão isolados torna-se difícil manter uma fé vibrante.

Esses quatro princípios formam os rudimentos de uma teologia prática do trabalho. Como um pensamento conclusivo, nossa formação educacional e nossa ocupação proporcionam oportunidades de nos prepararmos para a batalha espiritual. Quer sejamos mães ou anciãos, nossa ocupação nos ensina muito sobre nós mesmos, sobre habilidades interpessoais e sobre princípios gerais de sabedoria. Isso tem um grande valor no avanço do reino. Jesus frequentemente usou parábolas em que fazia referência ao trabalho corriqueiro a fim de ensinar princípios espirituais. Quando entendidos corretamente, nosso lar e nosso local de trabalho fornecem excelentes bases de treinamento para a obra permanente de avançar o reino de Deus. De fato, eles são campos de batalha decisivos na obra do reino.

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[i] Uso o termo “trabalho” para me referir tanto ao que é feito no lar quanto ao realizado fora deste.

[ii] David Bercot, correspondência pessoal.

[iii] Dr. Martyn Lloyd-Jones, citado em Iain Murray, D. Martyn Lloyd-Jones: the First Forty Years, 1899–1939. Banner of Truth, 1982, p.80.

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Traduzido e adaptado por Literatura Monte Sião com autorização expressa do autor. A não ser que se indique o contrário, todas as citações bíblicas foram tiradas da versão Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original de João Ferreira de Almeida, © 2011. Usada com permissão da Sociedade Bíblica Trinitariana.

Imagem da capa: iStockphoto.com

ISBN: 978-65-87208-14-5, Copyright © 2021 Literatura Monte Sião

Reservados todos os direitos: Proibida a reprodução do conteúdo por quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Details
Language
Portuguese
Number of Pages
22
Author
Finny Kuruvilla
Publisher
Editora Monte Sião
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